Gangadhara Saraswati
(Alcione Ramos) é professora de Yoga, Psicóloga pela UFMG e pedagoga pela UEMG,
com Pós–Graduação em Psciologia Analítica Junguiana. Sua sólida formação em
Yoga se deu na Índia, em uma das mais renomadas escolas de Yoga do mundo, a Bihar
School of Yoga, que está conectada desde 1995. Em 2000 foi iniciada por Swami
Niranjanananda Saraswati e recebeu o nome espiritual de Gangadhara Saraswati.
É uma das coordenadoras
da Satyananda Yoga Center, centro representante da Bihar School of Yoga no
Brasil, situado em Belo Horizonte, MG, e cofundadora da Casa do Guru, espaço
rural para vivências multidisciplinares aliadas ao Yoga, em Moeda, MG.
Ministra o curso de
Formação de Professores de Yoga e o curso de Yoga Nidra de Swami Satyananda
Saraswati, técnica registrada, usada sob permissão.
Viaja o Brasil
ministrando cursos e palestras e está lançando o livro Yoga Nidra O Sono
Consciente – O Yoga Nidra de Swami Satyananda Saraswati sob o olhar da
Psicologia Analítica Junguiana.
Acompanhe a entrevista que
ela concedeu à Gayatri Revista, em
sua recente visita a Goiânia, para ministrar o Workshop: Yoga Nidra, O descanso do futuro!
GAYATRI
REVISTA: O que é Yoga Nidra, o tema do seu curso?
GANGADHARA: Yoga
Nidra é uma técnica de relaxamento profundo que faz com que nós possamos
vivenciar o estado de Nidra, o estado de sono, de uma forma consciente. É um
processo em que experimentamos um relaxamento profundo a nível físico e mental.
O Yoga Nidra solta as defesas do nosso inconsciente: tudo aquilo que está lá
guardado, preso, nos impedindo de ter uma vida espontânea e plena tem a chance
de se liberar. Portanto, é um estado entre o sono e a vigília, em que
permanecemos despertos mas vivenciamos o chamado Sono Yogi, que é o sono
psíquico, o sono sem sono. Em poucas palavras, isso é o Yoga Nidra.
G R: E
por que você chama o Yoga Nidra de “o descanso do futuro”?
GANGADHARA: Porque
o futuro depende do nosso presente. Não há futuro sem uma história, sem uma
ação. E nós estamos vivendo num mundo muito complexo, que se distancia de uma
realidade interior, um mundo de competição, de individualismo, tomado por um
espírito calculista e pelo isolamento. Nós temos esse contato digital, que é um
contato muito fácil e que nos dá uma certa ilusão de que nós estamos próximos
às pessoas, mas nós estamos muito distantes uns dos outros! Então, o Yoga Nidra
vem pra poder trabalhar com esse contexto do homem atual que tem dificuldade de
coordenar tempo e espaço, porque à medida que a tecnologia foi chegando, nós
ganhamos em espaço: eu estou aqui e falo com uma pessoa do outro lado do mundo;
mas nós não ganhamos em tempo. Isso gera em nós uma ansiedade, um frenesi e um
estímulo muito grandes e o nosso sistema nervoso está esgotado de tanta
informação, de tanta identificação dos sentidos com a realidade externa! Sendo
assim, o Yoga Nidra faz o caminho oposto, essa volta, faz você se desconectar
desses sentidos e se conectar com você mesmo. Mas por quê é o descanso do
futuro? Porque nessa falta de tempo em que as pessoas estão, ninguém para pra
descansar. Até o sono não é um sono reparador, muitas vezes as pessoas falam
que acordam cansadas. E como há um descanso muito profundo em Yoga Nidra, um
descanso metabólico, uma queda de atividades do sistema nervoso simpático, em
poucos minutos ele te proporciona um descanso de quatro horas de sono, por
exemplo. Esse descanso do futuro não é nada mais que uma chance que a gente tem
de se repor, de repor as nossas energias, de fazer um contato com a nossa fonte
interna em meio à loucura da vida que nós temos hoje.
G R: Fale
um pouco sobre o livro que você está lançando e essa aproximação que você faz
do Yoga com a Psicologia Junguiana.
GANGADHARA: O
Jung deu uma atenção especial a experiências além de uma mente consciente e
teve uma abertura pra estudar o luminoso, o divino, o transcendental dentro do
processo do desenvolvimento da personalidade. Por isso, vamos encontrar vários
elementos do pensamento Junguiano que têm como suporte as filosofias e as
tradições da África, do México, da China e da Índia. Um exemplo é o que ele
chamou de caminho de individuação, que é você se tornar aquilo que
verdadeiramente é, chegar ao ponto de encontrar o seu self, que é algo que está além do ego. Isso tem muito a
ver com o processo do Yoga Nidra, porque ele começa como uma técnica de
relaxamento e descanso, mas vai além. Tanto, que Swami Satyananda falava que o
Yoga Nidra é uma porta de entrada pro Samadhi, pois a gente vivencia o estado
da inconsciência de uma forma consciente. Eu pensei em fazer essa junção porque
eu vi muita semelhança entre o pensamento de Jung e a prática de evolução que
podemos encontrar dentro do Yoga Nidra. Isso porque, quanto mais você pratica
Yoga Nidra, mais você vai trabalhando em níveis sutis de experiência e
consciência, até o ponto de chegar numa consciência transcendente, ou seja,
aquela que transcende os limites do ego. Você vai para a consciência do todo,
para a noção de pertencimento a alguma coisa, de estar aqui num processo de
comunhão consigo mesmo, com as pessoas, com a natureza e com o universo. E isso
só se dá nessa esfera do transcendente, que é quando Jung vem e estabelece o self como um arquétipo que orienta a nossa personalidade.
Portanto, essas são semelhanças muito grandes nesses caminhos. É claro que o
Yoga tem processos muito definidos, caminhos muito estruturados de expansão e
integração de consciência, e talvez nós não possamos afirmar que Jung concorda
plenamente com todos, mas é bem claro que ele buscou recursos nessa tradição.
Ele próprio, quando tinha crises emocionais, sentava, fazia Pranayama e meditação.
G R: Você
acha que, hoje em dia, os psicólogos, os médicos estão também buscando essas
referências quando recomendam às pessoas que pratiquem Yoga?
GANGADHARA: Sim,
eles já perceberam o valor do Yoga, a rota que o Yoga trabalha, tanto a
psicossomática, quanto a rota somatopsíquica, ou seja, a que vem da mente pro
corpo e a que vai do corpo pra mente. Alguns psicólogos e psiquiatras que têm
uma visão mais holística do ser humano, têm também essa sensibilidade pra
perceber como o Yoga pode trabalhar nesse nível mais sutil da personalidade. E
eu vejo hoje principalmente psiquiatras indicando Yoga, porque eles estão
percebendo que a medicação não basta! E nós vivemos uma medicalização da vida!
Por isso que essa procura está aumentando, é algo que eu estou presenciando de
perto. Por exemplo, eu estou dando Yoga Nidra no Hospital das Clíncias, em Belo
Horizonte! E o mais interessante: eu dou Yoga Nidra para enfermeiros! Tanto
para diminuir o stress desses que são profissionais super demandados nos
hospitais, quanto para atender a uma demanda que está surgindo de formação,
para eles atuarem também com seus pacientes. Isso é um grande avanço no sistema
de saúde! As próprias Práticas Integrativas e Complementares que entraram agora
no SUS, como acupuntura, medicina chinesa, Yoga, meditação, ervas medicinais…. não
estão ainda em todos os serviços públicos, mas já são aceitas! Isso é uma
abertura para esses saberes tradicionais que trazem uma grande riqueza e uma
grande experiência de cura, embora, e isso é preciso deixar bem claro, o Yoga
não tenha sido estruturado visando cura. Ele foi estruturado como um caminho de
autoconhecimento e evolução. Mas nós sabemos que o Yoga tem vários elementos
terapêuticos que podem ser aplicados no homem moderno.
G R: E
é esse mesmo caminho que está acontecendo nas escolas? Você citou os
enfermeiros como exemplo, seria o mesmo com os professores?
GANGADHARA: Sou
consultora de um programa em Caxias do Sul, que é o Yoga Para Professores, para
que eles trabalhem sua saúde laboral, a fim de estarem em uma sala de aula com
tranquilidade pra conduzir a criança e o jovem; mas o programa também os ensina
a trabalharem um pouco das técnicas com os seus alunos, levarem um pouco dessa
Cultura de Paz. As crianças hoje têm muito estímulo, essa questão do déficit de
atenção está muito evidente, e o Yoga vem pra trazer esse centro pra criança e
pro jovem, por isso está chegando na escola. E eu espero que a escola saiba
aproveitar isso e não faça do Yoga mais uma aula de educação física! Eu espero
que tenhamos profissionais realmente qualificados, que vivam o Yoga pra poder
transmitir. Porque essa é a questão dos saberes tradicionais: é preciso que
você experimente pra passar adiante! Se nós pudermos construir essa educação
holística, que também é uma educação do futuro, assim como esse descanso é do
futuro, a nossa sociedade tem condições de mudar! Eu chamo o Yoga na escola de
O Yoga do Futuro também, porque as experiências que a criança e o jovem têm
ficam registradas no seu inconsciente até a fase adulta. Eles carregam consigo
todas as experiências que tiveram na vida, positivas ou negativas. Se a gente
proporciona pra esse segmento experiências positivas, esse contato com essa
fonte interna, eles têm muito mais chances de fazer coisas boas na vida, de serem
homens bons! É uma expressão tão gasta, mas tão bonita: ser um homem bom!
G R: Pra
finalizar, como você tem visto o Yoga no Brasil nesse momento?
GANGADHARA: Eu
vejo o Yoga hoje no Brasil como um campo muito delicado, porque ao mesmo tempo
em que ele está avançando nos espaços de saúde, de educação, de trabalho, até
espaços de lazer, ele também está correndo o risco de ser um instrumento de
hegemonia dentro do sistema. Eu vejo hoje alguns profissionais fazendo
utilização de Yoga como se fosse um produto do capitalismo. Vemos hoje vários
instrumentos e roupas pra se praticar Yoga, o Yogi é aquele que tem milhares de
coisas, sendo que no Yoga você simplesmente senta ali numa manta e faz a sua
prática! Junto com isso vem uma exibição de um corpo esbelto, magro, que está
na mão da sociedade, uma cintura fina…será que tem que ser assim? Será que essa
é a mensagem do Yoga? Portanto, este é um campo muito delicado porque, ao mesmo
tempo em que essa cultura entra, ela também sofre um processo de aculturação e
passa a refletir a visão hegemônica e, se o profissional não souber perceber,
ele começa a repetir aquilo que o sistema institui, entende? Existe um processo
positivo, como tudo na vida, e um processo com o qual nós temos que tomar muito
cuidado pra não cair na banalidade. Principalmente em termos de formação de
profissionais! Não tem nada demais o Yoga estar na academia, por exemplo, mas
essa é também uma forma de aculturação, pois traz o foco só no físico. Eu vejo
que ao mesmo tempo em que existe um crescimento, é preciso cuidado pra não se
perder um conhecimento ancestral valioso que não está focado só em processo
corporal, afinal as escrituras clássicas abordam o Yoga como um processo de
gerenciamento da mente! O corpo é um instrumento pra você chegar à mente. Mas a
maioria dos ocidentais para no corpo! Quando você para no corpo, perde a
possibilidade de entender a sua mente, e é só a partir da mente que você vai
pra dimensão do espírito!
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