Swami Niranjanananda Saraswati |
Texto de:
Swami Niranjanananda Saraswati
Austrália, 1995
Recentemente,
conheci duas pessoas, que começaram a me fazer perguntas. A fim de entender o
que elas estavam tentando dizer, lhes perguntei: “Descreva o que é isso em
minha mão”. Uma delas disse: “Você segura um copo de água metade vazio”. A
outra falou: “Você segura um copo de água metade cheio”. Eu sabia que a pessoa
que disse que o copo estava metade cheio era otimista, e a outra, que disse que
o copo estava metade vazio, era pessimista.
As
perguntas que as pessoas fazem nunca mudam. São as respostas que mudam de
acordo com a nossa situação, nossas circunstâncias, nosso estado de espírito e
nossa capacidade de entender a resposta. Mas as perguntas são sempre as mesmas.
Essa é uma característica do ser humano. Como seres humanos, vivemos uma
existência linear. Quando progredimos nessa existência linear, esse movimento é
conhecido como ‘evolução’. A evolução é vivenciada diariamente, em cada vida, e
também na dimensão cósmica onde o infinito é o fator predominante,
não o plano finito da existência.
O
Yoga entra na vida de alguém em
determinado momento para fornecer respostas para a pergunta sobre o propósito
de sua existência. Não entenda isso de forma filosófica e abstrata, pois o Yoga não é um sistema filosófico nem um
modo abstrato de pensar; ao contrário, é uma forma de pensar muito direta,
precisa e clara. O sistema todo do Yoga
se dedica a obtermos compreensão da nossa natureza, mente, vida e existência. Portanto,
o Yoga é conhecido como a ciência da vida. No entanto, a fim de entender o aspecto pleno do Yoga, temos que dividir o tema em três partes: filosofia do Yoga, psicologia do Yoga
e Yoga aplicado.
Filosofia do Yoga
A
filosofia do Yoga diz que estamos em
um processo constante de evolução. Nossa consciência está constantemente
mudando e evoluindo, e essa evolução pode ser vista agora no nível do
intelecto. Podemos não compreender algo até que nosso intelecto interfira. Pensamos
sobre o assunto, o analisamos, o ponderamos e depois o aceitamos. Quando
aceitamos uma situação, não há conflito,
mas se não a aceitamos, se não tivermos certeza de algo, há conflito e confusão.
Na
nossa condição atual, o conceito de evolução linear está muitíssimo associado
ao aspecto do intelecto, ou Buddhi na
terminologia do Yoga. É o intelecto
que diz: “Certo, entendo isso e, porque entendo, posso apreciá-lo e aceitá-lo”
ou “Eu não entendo isso, portanto, vou rejeitá-lo”. É assim que fazemos em
nossa jornada da vida. As coisas que aconteceram no passado permanecem conosco
na forma de memória, na forma de experiência. Segundo o Yoga, essas memórias e experiências podem ser tanto agradáveis
quanto dolorosas. A mente humana gira constantemente em torno dessas memórias e
experiências. No entanto, um esforço deve ser feito para sair desse
condicionamento terreno.
Yoga Sutra Patanjali |
Por
que devemos nos afastar do condicionamento mundano? Por causa da evolução. Porque
há possibilidades infinitas que estão adormecidas dentro de nós e das quais não
temos ciência. Há a possibilidade de obter ciência total em nossa vida, mas não
estamos atentos a isso. Obter ciência total é o objetivo do Yoga. A fim de chegar a esse nível, que
é o resultado de uma consciência integrada, deve-se haver empenho para alterar
certos condicionamentos que inibem e restringem as expressões das nossas mentes
e da nossa consciência. Os Yoga Sutras
de Patanjali (primeiro tratado
sistemático do Yoga) afirmam que o Yoga
é a cessação das atividades mentais conhecidas como Chitta Vrittis.
Essa
é uma afirmação muito importante do Yoga.
As atividades mentais, que são resultado do condicionamento externo, manifesto,
social, emocional, pessoal e cultural, têm que ser transcendidas. Quando
conseguimos ir além do limite normal de percepção, descobrimos que há outro
nível de existência e experiência. Toda a filosofia Yoguica baseia-se na compreensão de que precisamos mudar. Ninguém
conseguiu definir 'consciência’. Freud e Jung falaram sobre inconsciente, mas
não é a declaração final na psicologia moderna.
O
primeiro carro criado por Ford tinha um design muito básico. Suponhamos que ele
tenha começado a falar sobre instalar ar-condicionado, o que não existia
naquela época. Da mesma maneira, quando o conceito de consciência humana foi
discutido no começo do século, os psicólogos lançaram ideias sobre outra
consciência, a qual eles chamaram de inconsciente. Entretanto, eles estavam
apenas fazendo conjeturas sobre uma atividade pouquíssimo conhecida da
consciência total, enquanto o Yoga
sempre instruiu que há um grande potencial dentro de nós, o qual recebeu o nome
específico de Kundalini.
O
despertar da Kundalini, a força
cósmica oculta dentro das camadas mais profundas da nossa consciência, é o propósito
da vida. Se compararmos esse conceito do Yoga
com o entendimento moderno, vemos que muitas das ideias são similares. Neste
exato momento, por exemplo, a ciência moderna nos diz que estamos usando
somente um décimo das faculdades do nosso cérebro, cerca de 10%, e que os
centros restantes estão adormecidos. Isso significa que, no momento, nosso entendimento
da natureza humana é muito limitado. Agora conseguimos operar no nível
consciente através da mente racional, mas mesmo assim o conceito e a visão da
nossa percepção e do estar ciente é muito limitada. Não somos capazes de harmonizar, entender e ativar
por completo o potencial da mente consciente.
Nesse
sentido, funcionamos dentro de uma área muito limitada de expressão criativa. Os
Yogis afirmam que há um estado de realização
completa, mas para alcançar esse nível de existência, tem que haver continuidade
na evolução e experiência da consciência. Com essa visão em mente, a ciência do
Yoga então evoluiu. Os Yogis e profetas também compreenderam
que é difícil um indivíduo descobrir sua própria natureza, e entender, observar
e harmonizar as suas próprias expressões. Por que é difícil?
Psicologia do Yoga
Tendemos
a vivenciar quatro fatores na vida. O primeiro são os pontos fortes. Cada um de
nós tem certos pontos fortes dentro de si. Nosso ponto forte pode ser clareza
da mente ou força de vontade, mas ao mesmo tempo, também sofremos com nossas
fraquezas inerentes. Essas fraquezas podem ser complexos de inferioridade,
diferentes inibições ou falta de força de vontade. Muitas vezes, podemos ver
que nossos pontos fortes são ofuscados por nossas fraquezas. Se olharmos
objetivamente para nossas próprias vidas no dia a dia, veremos que somos muito
influenciados por nossas fraquezas e, como resultado, sofremos de ansiedade,
depressão, insônia, raiva, frustração e assim por diante. Não conseguimos
administrar os fatores limitantes da nossa vida que se manifestam na forma de
fraquezas. Desse modo, surgem problemas psicológicos, mentais e emocionais.
Liberte-se |
A
ambição e a necessidade são outros dois fatores que influenciam bastante nossa
formação psicológica. Todos nós temos certas ambições e elas são os fatores
motivadores que nos movem pela vida. Aquilo que almejamos, como status social e
uma vida feliz e confortável, e o que desejamos nos tornar são ambições. Além
de ambição, há certas necessidades que podem ser físicas, mentais, emocionais,
psíquicas ou espirituais. Devido à intensidade do fator limitante na forma de
fraqueza, muitas vezes confundimos ambição com necessidade. Sentimos que as
ambições são as nossas necessidades, e tendemos a ignorar as necessidades reais
do nosso corpo, da nossa mente e das nossas emoções.
Assim,
há um conflito em nossas vidas entre pontos fortes e fraquezas, e entre ambição
e necessidade. Não conseguimos administrar essas situações com uma mente clara.
A fim de nos ajudar, o Yoga novamente
entra e diz: “Torne-se ciente”. Essa é a regra básica do Yoga: desenvolva ciência e percepção, de forma que você possa
observar si próprio, suas qualidades e seus pontos fortes. É nesse ponto que a
psicologia do Yoga realmente começa,
fazendo-nos confrontar a mente e ficar em paz com ela. Não existe lutar conosco
ou com nossas vidas. Quando ficamos em paz conosco, há aceitação com base na
compreensão da natureza humana e da personalidade.
Harmonizando as emoções
É
assim que temos que lidar com o que se passa na nossa cabeça. Devemos ver como
nossos pontos fortes, fraquezas, ambições e necessidades podem ser
complementados, equilibrados e harmonizados. E devemos ver como o potencial
criativo da nossa mente (intelecto) e do nosso coração (sentimentos e emoções)
pode ser canalizado na direção correta. Paramahamsa
Satyananda diz que as emoções são o fator mais poderoso na vida de um
indivíduo. Sentimos uma emoção e nos conectamos aos outros de acordo com essa
emoção. Quando vemos um estranho, um amigo, um inimigo, nosso filho ou filha,
surge uma emoção, um sentimento. Se temos uma crença religiosa, há uma emoção
relacionada com essa crença. Ver alguém que amamos e respeitamos desperta um
sentimento, uma emoção.
Vivemos
em um mundo cheio de emoções. O principal conflito na vida humana deve-se à
desarmonia no campo das emoções, não no intelecto. Essa desarmonia às vezes se
manifesta na forma de raiva, ódio, ciúme, frustração, amor, afeto, felicidade
ou tristeza. Portanto, na nossa vida interagimos, na verdade, nada mais do que com
emoções. Quando a razão entra e conseguimos entender a situação adequadamente,
então damos um passo e progredimos. A fim de entender o que está acontecendo em
nossos corações, deve haver alguma forma de auto-observação. Se você me perguntar
o que Yoga significa, eu diria
'auto-observação’.
O
Yoga não é apenas um conjunto de
posturas físicas que fazemos. Claro que praticamos Asanas (posições psicofísicas), mas essas posições são apenas um
aspecto do Yoga. O que esperamos
ganhar com a prática de posturas, técnicas de respiração, meditação e
relaxamento? Apenas alívio temporário de estresse e ansiedade? O Yoga é definitivamente usado para
reduzir o nível de estresse e tensão em nossas vidas. O Yoga é também usado para corrigir a mentalidade destrutiva que se
manifesta externamente devido à desarmonia das emoções.
Apenas
como exemplo, nossos Swamis visitaram
24 prisões centrais e estaduais em Bihar, Índia, como parte de um projeto de
três meses para ensinar Yoga para
detentos em prisão perpétua. O objetivo era corrigir a mentalidade negativa
desses presos e ajudá-los a desenvolver uma atitude positiva e perspectiva de
vida para que pudessem vivenciar harmonia e tranquilidade. Esse projeto
importante foi realizado porque o governo reconheceu que o Yoga poderia ajudar essas pessoas. O Yoga tem algo de concreto para contribuir seja na área terapêutica,
no tratamento de artrite, câncer ou AIDS, ou na administração de problemas
psicológicos.
A necessidade atual
No
entanto, mais do que esse alívio sintomático, o Yoga tem algo único a oferecer, que são os recursos para se tornar
ciente de si mesmo a fim de evoluir na vida. Essa é a mensagem mais importante
do Yoga. É claro que leva tempo para
ganhar esse tipo de entendimento, pois temos que passar por certas experiências
na vida. Enquanto não passamos por essas experiências, não podemos apreciar a
beleza do Yoga. Há muitos cursos
disponíveis em diferentes Ashrams (comunidade
Yogi) e Centros de Yoga, onde é
possível aprender o aspecto físico ou meditativo do Yoga, mas nossa necessidade real é diferente hoje.
Nossa
necessidade é de compreender o desequilíbrio na estrutura emocional e
harmonizá-lo. Quando conseguimos harmonizar esse desequilíbrio, a qualidade da
mente muda. Podemos viver no mesmo mundo, mas nossa visão muda. Se colocarmos
óculos cor de rosa, veremos o mundo nessa cor. Se colocarmos óculos pretos,
veremos o mundo em cor preta. Se colocarmos óculos transparentes, veremos o
mundo na sua cor real. Portanto, o Yoga
diz: primeiro de tudo, observe-se. Cada ação, seja ela positiva ou negativa,
deve ser realizada estando ciente e atento. Para qualquer coisa que você fizer,
certifique-se de que é para desenvolver sua natureza criativa e isso também inspira
os outros. Se as ações que você realiza não são construtivas e geram conflito,
confusão, dor e sofrimento, esse não é o jeito Yoguico.
As
ações que você realiza devem ser inspiradoras para sua própria mente e
consciência e para os outros. Quando você consegue induzir um nível diferente
de ciência e atenção através das ações que realiza, então essa ação é Yoguica. No entanto, essa ciência e
atenção tem que ser combinada com certas disciplinas na vida, as quais têm que
ser vistas de uma perspectiva diferente. Disciplina não é uma rotina imposta
onde há horários fixos para acordar, para dormir e para comer. O conceito Yoguico de disciplina significa estar em
controle das faculdades que você expressa na sua vida e direcioná-las para
criatividade e positividade. Esse é o conceito de educação Yoguico.
Entendimento pleno do Yoga
O
Yoga tem sido entendido de maneiras
diferentes em épocas diferentes. Para muitos de nós, o Yoga era apenas uma
série de exercícios físicos, um método para obter relaxamento após passar por
situações estressantes, ou um método para aprender meditação a fim de chegar ao
centro do nosso ser mais íntimo. Entretanto, falhamos em todos esses objetivos
porque nunca atingimos um entendimento pleno do Yoga nas nossas vidas nem mesmo em nossa própria interpretação
pessoal. A fim de auxiliar nesse processo de desenvolver um entendimento pleno
do Yoga, estabelecemos o Bihar Yoga
Bharati, esperando que se tornará a primeira universidade de Yoga do mundo. Esse instituto oferece,
no momento, cursos de formação e especialização em filosofia do Yoga, psicologia do Yoga e Yoga aplicado, e,
no futuro, haverá cursos de ecologia do Yoga
e ciências ambientais e vários outros temas que abordam integração e
harmonização da vida com a natureza e com a consciência cósmica.
É
um grande passo dado. Temos que mudar nossa perspectiva e nosso entendimento. Quando
conseguimos fazê-lo, o Yoga de fato
cria raízes em nossas vidas. Sannyasa
é um estilo de vida que eu e outras pessoas escolheram. O Yoga não tem nada a ver com estilo de vida. O Yoga oferece pensamentos e ideias alternativas para entender a
totalidade da vida, e é um sistema de compreensão, e de administração da mente,
do corpo, das emoções e de si próprio. É tudo. É esse entendimento do Yoga que precisamos ter para que
possamos tornar nossas ações uma expressão criativa da nossa consciência.
Nosso
Guru diz que, na vida de cada ser
humano, há três faculdades ou qualidades mais importantes: mente, coração e
mãos – intelecto, emoção e execução. Quando conseguimos integrar essas três
qualidades, nos tornamos um ser humano completo. Esse é o conceito de ser
humano completo que Aurobindo chamou
de 'super-homem’ e que os Yogis
chamam de ‘aquele que se compreende’. Ter compreensão de si mesmo é um evento
muito prático na vida de cada pessoa; não é um evento filosófico ou religioso. Yoga é compreender a natureza que
governa nossa personalidade individual e também a personalidade cósmica. Portanto,
temos que ter muita clareza do que queremos do Yoga. Se quisermos práticas físicas para nos sentir bem, essas
práticas existem. Se quisermos técnicas de relaxamento para aliviar estresse e
tensão, elas também existem. Temos que parar por aí ou podemos continuar? Podemos
prosseguir e esse deve ser nosso objetivo.
Fonte:
http://www.yogamag.net
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