A Índia
possui uma grande diversidade de expressões simbólicas e mitológicas permeando
sua estrutura cultural e interagindo com as diferentes correntes de pensamento
filosófico, como o Hinduísmo, o Budismo, o Catolicismo, o Islamismo,
o Jainismo, o Sufismo, o Zoroastrismo,
dentre outros. Podemos encontrar no Hinduísmo,
o mais popular ponto de vista indiano de interpretação das experiências de
interação com o sagrado.Essa diversidade está retratada a partir de uma “antiga”
mitologia Hindu, associada com as
divindades de caráter mais naturalista dos Vedas
e encontrada nas descrições e hinos dos Samhitas,
Aranyakas, Brahmana, Upanishads e uma “nova” Mitologia Hindu, encontrada nas descrições dos Puranas, Itihasas e Tantras.
As lendas e divindades da “antiga mitologia” representam, por um lado, as expressões
das forças da natureza como o sol, a chuva, o fogo, o vento, etc., e por outro
lado, é também o conceito abstrato do onipresente Brahmam (o ser supremo), que se manifesta sob diversas formas na
vida cósmica. As lendas e divindades da “nova mitologia” possuem uma estrutura
diferenciada, elas representam mais claramenteas interações e proximidade entre
o ser supremo e os seres humanos, em detrimento das relações com as forças e
expressões da natureza e do abstrato. Os deuses e os homens convivem e fazem
parte de um mesmo plano de experiência de renascimentos e mortes do universo e
de todos que nele habitam, o Samsara.
Os Puranas, livros para educação filosófica
que relatam as lendas e feitos heróicos das divindades mais populares,
descrevem três principais personagens responsáveis pelo processo de criação,
preservação e destruição do universo e da vida. Brahma seria o responsável pela manifestação da matéria e de todos
os seres vivos. Vishnu seria aquele
que através de seus esforços e estratégias possibilitaria que o universo e os
seres vivos pudessem experimentar a experiência da continuidade. Shiva teria o papel de provocar o
movimento constante de renovação, transformação e destruição.
Brahma é o
criador dos deuses, dos humanos e de tudo o que é existente no universo
manifesto. Ele é representado como um homem que possui quatro cabeças (Caturanana), vestindo um traje branco sentado
sobre uma flor de Lotus ou cavalgando
em um cisne, símbolo da liberdade soberana alcançada através da maturidade
espiritual. Brahma geralmente leva em
suas mãos: os quatro livros sagrados (Vedas),
um colar de contas (Mala), uma flor
de Lotus, um prato para recolher
esmolas e uma vasilha para água dos banhos de sacrifício.
Brahma |
Vishnu
representa o princípio divino considerado sob seu aspecto preservador do mundo.
Ele normalmente é apresentado como um homem de cor azul escuro, vestindo roupas
amarelas e cavalgando uma águia semidivina (Garuda),
que em tempos passados foi um Asura
(aspecto demoníaco) que tombou dominado pelo poder do deus preservador e foi
transformado em sua montaria (Vahana).
Vishnu |
Vishnu leva em suas quatro mãos: uma clava de combate (Gada); uma concha (Sankha); uma arma em forma de disco luminoso (Chakra); uma flor de Lotus; e faz o gesto que desfaz o temor (AbhayaMudra). Em algumas outras apresentações, ele pode aparecer de pé, sentado ou deitado sobre a serpente Sesha (também chamada de Ananta, eternidade), que simboliza o resto, a sobra da energia que permanece sem emprego após a produção da matéria sólida e a conclusão da criação pelo deus Brahma.
Em cada ciclo de vida universal, durante os períodos
de crise, quando as leis cósmicas (Dharma)
estão ameaçadas pela ignorância (Avidya)
e existência de seres demoníacos (Asura)
extremamente poderosos, Vishnu
manifesta uma parte de sua essência (Avatar)
para destruir as forças negativas e restabelecer a ordem. A tradição aponta que
já se manifestaram sobre a Terra nove Avatares
e um décimo estaria sendo esperado para essa era em que vivemos (KaliYuga).
A função do primeiro Avatar, chamado Matsya (O
Peixe Primordial) foi salvar Vaishvavarta
Manu, o progenitor da raça humana, do dilúvio que ameaçava tragar toda a
Terra. Do segundo Avatar, chamado Kurma (A Tartaruga Cósmica) foi permitir
ao deus Indra e aos três mundos
recobrarem o vigor perdido devido a uma maldição proferida por um sábio. Do
terceiro Avatar, Varaha (O Javali
Flamejante), era o de levantar das águas a deusa Terra (Bhumi Devi) que tinha sido submersa e aprisionada por um poderoso
demônio. Do quarto Avatar, Narasimha
(O homem leão), foi libertar o mundo da tirania do Rei Hiranyakasipu. Do quinto Avatar,
Vamana (O Anão Divino), era restabelecer o poder dos deuses e destruir a opressão.
Do sexto Avatar, Parasurama (O
Portador do Machado), foi libertar a classe de sacerdotes Brahmanes da tirania e opressão da casta guerreira (Kshatrya). Do sétimo Avatar, Rama (O Nobre Guerreiro) foi dar exemplos de elevadas virtudes a
todos os seres. Do oitavo Avatar, Krishna
(O Negro), era destruir demônios e liderar uma grande guerra ocorrida entre
duas importantes linhagens Arya
(guerra descrita no MahaBharata e BhagavadGita). Do nono Avatar, Buddha (O Mensageiro), foi
enganar os inimigos dos deuses e preparar o caminho para os verdadeiros
discípulos. Do décimo Avatar, Kalki (O Homem Cavalo), que está
sendo aguardado, será destruir demônios e restabelecer a luz nesta era de
trevas (KaliYuga) em que nossa
existência estaria inserida.
Shiva é
representado de muitas maneiras distintas. Como Adynatha, mestre do Yoga,
ele aparece em geral com quatro braços; com as duas mãos superiores sustêm um
pequeno tambor (Damaru) e um tridente
(Trishula, símbolo do tríplice tempo,
Trikala.) e com as outras duas faz,
respectivamente, o gesto de doação (Vara
mudra) e o de segurança (Abhayamudra).
No centro de sua testa encontra-se um terceiro olho. Esse olho frontal
representa o “sentido da eternidade”. Segundo a tradição, um olhar desse
terceiro olho reduz tudo a cinzas, destruindo toda a ilusão ou ignorância (Maya).
Shiva usa
sobre seu corpo uma pele de tigre. Uma serpente lhe serve de colar, usa outra
como um cordão sagrado e outras duas estão enroladas nos braços como
braceletes. Seus cabelos são emaranhados e em forma de tranças. Entre seus
cabelos ele leva a quinta cabeça de Brahma
e a deusa Ganga. O veículo de Shiva é o touro Nandi (símbolo de poder, força, fecundante). O touro está ligado ao
culto da grande mãe, ao culto agrário da fertilidade e seu mugido é similar ao
trovão e ao furacão.
Shiva |
Brahma, Vishnu e
Shiva formam a tríade responsável pelo
jogo cósmico (Lila) que embriaga e
mantém os seres presos no eterno ciclo existencial (Samsara). Por outro lado eles também representam a consciência
onipresente, onipotente e onisciente que, se reconhecida ou mesmo desperta no
mais íntimo de cada um, possibilita uma evolução transcendente e libertadora
das correntes que prendem ao jugo da roda da vida.
Na realidade
todo esse rico e criativo simbolismo da mitologia Hindu, tem como objetivo chamar nossa atenção para a infinita
diversidade existente na experiência da vida humana, evocando distintas
possibilidades de compreensão e indicando caminhos para que possamos
transformar nossas vidas positivamente. Sendo assim, deleitar-se com as lendas
e mitos da tradição indiana é um convite ao autoconhecimento, à reflexão
filosófica e ao pensar sobre o sagrado.
Texto escrito por Swami Aghorananda Saraswati (Sérgio Clark).
Coordenador do Satyananda Yoga Center - Representante do Brasil da Bihar School of Yoga/Índia.
Professor de Yoga e da tradição do Tantra.
Autor
dos livros: Mitologia Hindu, Ed. Madras, São Paulo e Tantra Vidya, Ed. Mondana,
Belo Horizonte.
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